Rodrigo, de cotas com pano ilustrado com bandeiras, em Brasília no 8 de janeiro
Rodrigo de Freitas Moro Ramalho, 34 anos, mototaxista e morador de Marília, está em processo de condenação a 14 anos de prisão pelo STF, conforme voto do ministro Alexandre de Moraes.
O julgamento iniciou no dia 19 de abril, de forma virtual, e encerra às 24 horas de hoje, dia 26 de abril. Ele é tutor dos três membros da família que têm “ossos de vidro”: a esposa Viviane, 34 anos, e os filhos Miguel, 12 anos, e Gabriel, 10 anos. Reportagem do Portal Bureau de Comunicação reproduziu o drama do morador de Marília.
Eles sofrem com acidentes que resultam em fraturas de ossos mesmo dentro de casa, por terem “osteogêneses imperfeita”. Viviane já teve mais de 20 fraturas; Gabriel também mais de 20 fraturas, sendo que dez de crânio; e Miguel sofreu dez fraturas. Rodrigo Moro também é o ponto de apoio da mãe Noemi Aparecida de Freitas Schiavi, 50 anos, que tem um tumor cerebral operado, mas que já apresenta sinais que indicam a necessidade de uma nova cirurgia.
Conforme os acidentes da família foram acontecendo, por força da necessidade, Rodrigo Moro assumiu como tutor e cuidador dos três, deixou de trabalhar como garçom e escolheu uma atividade de entregador do aplicativo IFood, por ter horários flexíveis.
As carteirinhas de deficientes. Gabriel tem uma específica de autismo.
As credenciais dos três membros da família que Rodrigo cuida: esposa e dois filhos.
A vida seguia entre o trabalho e a prontidão para alguma emergência que o fazia sair correndo para o hospital com algum deles, até que Rodrigo Moro decidiu ir para Brasília para uma manifestação política no início de janeiro, que ele julgava ser pacífica e ordeira como as demais que participara.
Ele voltou de Brasília somente sete meses depois, com um tornozeleira eletrônica e uma série de restrições. Com a provável condenação neste final de abril, ele agora deverá aguardar em casa o trânsito em julgado de sua sentença de 14 anos de prisão, para então ser recolhido para o presídio.
“Não quero voltar para o presídio. Não é lugar para mim. Uma pessoa que nunca cometeu qualquer crime, que sempre arcou com os seus compromissos, cuidou de sua família, não pode ser tratado dessa forma pelo Estado Brasileiro. Desde que voltei da prisão em Brasília, tento aproveitar ao máximo a minha família, mas tenho um sentimento de desespero. Eu confesso que prefiro morrer a voltar para o presídio. Foi difícil passar sete meses no Papuda ao lado de outros patriotas injustiçados, pessoas boas, e eu imagino como será ficar em celas durante anos com criminosos, que mataram, roubaram, estupraram, traficaram e cometeram outras atrocidades. Sinto muito medo de toda essa injustiça”, revela.
O texto que segue é a história de Rodrigo Moro, um homem que cuidará de sua família doente até o Governo Brasileiro impedir que ele o faça.
O sentido da vida de Rodrigo Moro é cuidar da sua família.
“Eu trabalhei sempre como garçom em São Paulo, mas com as constantes fraturas de ossos da minha família eu tive que deixar o meu emprego e vir embora para interior, onde posso cuidar deles. Passei, então, a fazer entrega pelo iFood, o que me permitia fazer o meu horário e, caso eles sofressem alguma fratura, estaria disponível ao desligar o aplicativo. Essa mudança foi para conciliar o meu trabalho com idas regulares aos médicos.
Com a prisão em Brasília, muita coisa mudou na minha vida e uma delas foi a impossibilidade de continuar como entregador de aplicativo, por ter ficado meses fora do sistema e, agora, estou na fila de espera para ser aceito novamente. Então eu resolvi fazer bico de entrega para restaurantes, mas também ficou complicado porque tenho restrições de horário fora de casa, sou monitorado eletronicamente, então não posso trabalhar nas sextas-feiras à noite, nem em sábados e domingos.
CONTAS BLOQUEADAS
Eu me sinto como um indigente, porque pensei em trabalhar pelo aplicativo 99, como moto táxi, mas quando sai do presídio a minha habilitação estava bloqueada. Consegui desbloquear um mês depois, mas então surgiu outro problema que me impede: o ministro Alexandre de Moraes determinou o bloqueio das minhas contas do Nubank e da Caixa Econômica Federal, e eu preciso de uma conta para poder trabalhar no aplicativo.
Fui na Caixa e me mostraram que tem um bloqueio no valor de até R$ 19 milhões. Ou seja, o dinheiro que entrar do meu trabalho não vai para o sustento da minha família. Ficará retido!
OSSOS DE VIDRO
Os três membros da minha família são deficientes e têm cadastro no CRAS no qual eu sou tutor deles. A Osteogêneses Imperfeita interfere nos tecidos dos órgãos do corpo, colocando em risco o rompimento das artérias, além de apresentar esse problema de ossos quebradiços. A partir dos 30 anos, também começa a degeneração da audição.
Minha esposa se trata no Hospital da Santa Casa de Santa Cecília, uma instituição que é uma referência em Ortopedia em São Paulo. A deficiência dela tem o acompanhamento do Doutor Santilli, um professor ortopedista do Albert Einstein. Foi ele que descobriu essa deficiência devido a um acidente que nós sofremos de moto.
Na ocasião, Viviane teve uma quantidade de fratura impressionante: fratura exposta no joelho, três fraturas graves no fêmur e fratura da clavícula. Depois disso teve outras mais. Logo que os meninos nasceram eles foram diagnosticados com a mesma deficiência, e eles se tratam no Hospital das Clínicas, no grupo de trauma do HC.
Viviane tem uma série de parafusos e tem acompanhamento especializado desde que os médicos descobriam que tem ossos de vidro.
Até mesmo o deslocamento de um parafuso é risco de nova cirurgia.
Quem tem ossos de vidro precisa ser tratado por um ortopedista especializado, pois não são fraturas comuns. Por exemplo, até para colocar o pino o procedimento é diferente.
Eu mantenho uma pasta para cada um com todo o histórico das fraturas. São cheias de laudos e não dá para ser diferente, pois é preciso ter muita atenção em todos os detalhes referentes aos ossos dos três.
FILHO MAIS NOVO É AUTISTA
Além de ter ossos de vidro, o Gabriel, meu filho mais novo, é autista e toma remédio para tratar esse problema. Inclusive, meses atrás a Procuradoria Geral da República me notificou porque eu tive que sair no sábado para comprar o remédio. Como uso tornozeleira eletrônica não posso colocar o pé fora da porta em finais de semana que o sistema registra isso como uma infração. Como eu não tinha outra saída, uma vez que o remédio de Gabriel tinha acabado, eu saí para comprar. Tive cinco dias para justificar a minha ida até a farmácia para não ser preso novamente.
Gabriel sofre muito com a minha condição de preso político. Os meus dois filhos ficaram depressivos quando estive fora e precisaram de acompanhamento psicológico. Todos os dias, no horário da oração em família, eles pedem para que Deus tire a tornozeleira e que eu não seja novamente preso. Eu sinto o sofrimento de Gabriel, até mesmo porque ele é autista e demonstra seus sentimentos com comportamento agitado e estressado.
ATIVIDADES LABORAIS ESTÃO PROIBIDAS
A minha família está proibida de fazer atividades laborais em função dos seus ossos quebradiços. Isso requer muito cuidado e atenção até mesmo dentro de casa. Recentemente, o Miguel teve uma fratura ao chutar, sem querer, um canto de um móvel.
As crianças não podem jogar bola, correr ou participar de brincadeiras com impacto ou que tenha risco de queda. Na escola, eles têm um cuidador e usam transporte especial para portadores de deficiência. O município de Marília é bem organizado para isso.
Quem tem família com deficiência precisa lutar muito, porque tudo é mais difícil. Quando estive preso, a minha esposa sofreu muito porque o Miguel teve uma fratura na mão e ela precisou dar conta de tudo. E a gente nunca sabe quando ela vai se machucar. Viviane fraturou ao passar um pano na casa, isso porque torceu a perna e teve duas fraturas: na tíbia e na fíbula. Precisou colocar três parafusos.
Numa ocasião, só de carregar um balde com água teve fratura de uma vértebra. Então, dentro da rotina da casa eu tenho uma grande participação para evitar que se machuquem com atividades triviais. Gabriel também sofre com epilepsia.
POUCA EXPERIÊNCIA POLÍTICA
Aqui em Marília, Bolsonaro fez 70% dos votos, mas a gente se pergunta cadê os patriotas, porque parece que sumiram. Talvez sejam como eu, que nunca fui muito de política.
Sempre fui conservador, mas eu nunca soube votar e ia na onda popular, tanto que cheguei a votar no Lula. Porém, depois que surgiram as denúncias do Lava Jato e tivemos o impeachment da Dilma, ficou escancarado o sistema de corrupção. Até para uma pessoa como eu, sem tempo para nada por trabalhar como garçom em São Paulo, ficou claro o absurdo que nós vivíamos.
E depois, com a doença da minha família, por dependermos muito do SUS, passei a prestar mais atenção na política porque é dela que vem as decisões sobre o funcionamento dos serviços públicos.
Em 2018, surgiu o Bolsonaro, um candidato diferente num partido desconhecido, então decidi apostar nele para ver se o Brasil mudaria. Percebi que devíamos buscar saídas para a nossa crise e prestei atenção nas falas dele e no seu histórico político.
Ele falava de família, liberdade e religião. Ele foi eleito e tudo parecia ir bem até que “descondenaram” o Lula, depois de passar por três instâncias da Justiça e seus crimes serem comprovados. Era esse fato lamentável de um lado e por outro lado tínhamos um presidente que levou o Brasil para frente mesmo num grave quadro de pandemia mundial e guerra na Ucrânia.
TIRO DE GUERRA DE MARÍLIA
Eu não fiquei contente com o resultado das eleições de 2022 e passei a frequentar o QG de patriotas em frente ao Tiro de Guerra da minha cidade. E no dia 6 de janeiro embarquei numa excursão para Brasília com objetivo de seguir me manifestando também na capital federal. Chegamos às 10 horas da manhã do dia 7 e eu carregava comigo apenas uma mochila.
Não tinha amigos no QG, mas um casal do ônibus resolveu ir para o hotel e fiquei na barraca deles. A maioria das pessoas com as quais viajei tinha idade superior aos 45 anos, mas alguns eram mais velhos e precisavam de algum conforto que o QG de Brasília não proporcionava. O combinado era de voltar na 4ª feira, dia 11 de janeiro, e eu tinha onde ficar.
Uma das razões de eu estar confiante de que estávamos num momento forte da política nacional e justo foi a publicação de um amplo documento das Foças Armadas, no qual eram apontadas duas inconsistências nas urnas eletrônicas usadas em 2022. Isso contribuiu para a minha decisão de frequentar o Tiro de Guerra e de ir a Brasília.
No domingo, dia 8 de janeiro, vi a multidão descendo e peguei a minha mochila para acompanhar a marcha até a Praça dos Três Poderes. Fomos escoltados pela Polícia Militar, que fazia “joinha” para a gente e batia continência como se apoiasse a nossa atitude.
Descemos cantando o Hino Nacional até chegarmos nos prédios dos ministérios, onde paramos para passar pelo cordão da PM que nos revistou.
Rodrigo Moro abrigou-se dentro do Palácio do Planalto, para não ser ferido. Na imagem está com um tecido nas costas com várias bandeiras do Brasil.
INÍCIO DAS AGRESSÕES NA PRAÇA
Já na Praça dos Três Poderes encontramos, no gramado, as grades que impediam a nossa passagem, com alguns poucos policiais guardando o local. A multidão queria seguir em frente e ficar no gramado, como ficou no tempo do impeachment da Dilma, de forma pacífica. Os policiais não permitiram e a multidão começou a sacudir as grades e iniciou um confronto no qual os policiais jogaram spray em nós.
Eu sufoquei com aquele gás e vi muitas pessoas caindo no chão de joelhos. Eu só pensava em água e me joguei dentro do espelho d’água que vi pela frente para aliviar.
Não demorou para a multidão subir no Congresso e logo em seguida vi policiais lá em cima também. Creio que eles estavam na parte de trás daquelas estruturas que parecem grandes pratos.
E logo em seguida iniciaram os tiros de bala de borracha e bombas de efeito moral. Lembro que chegamos por volta das 14h30, mas depois assistimos filmagens que tinha gente dentro dos prédios antes disso. Não sei como entraram, porque as pessoas que estavam no nosso movimento chegaram nesse horário, todos juntos, e teve a revista policial.
DEDO PENDURADO
Nenhum de nós estava armado e nem em sonho esperávamos uma recepção com tiros e bombas. Ninguém estava quebrando nada, pelo menos não os patriotas que tinham acabado de chegar junto comigo. A polícia atirava para tudo quanto é lado e no meio daquela confusão vi um rapaz com o dedo pendurado. Abri a mochila e ofereci minha camiseta do Brasil para ele estancar o sangue que jorrava.
As bombas com gás eram tantas e, por um momento, eu senti a presença de Deus e sua perfeição. Nós estávamos na rampa e os policiais jogavam bombas de gás contra nós, mas de uma hora para outra o vento mudou e a fumaça se direcionou para a própria polícia.
Nisso, ouvi um pessoal chamando a gente para entrar num prédio. Eu não conhecia Brasília e não sabia que se tratava do Palácio do Planalto. Era muita confusão na praça, até cavalaria apareceu, além de caveirão e tropa de choque. Estava uma loucura e achei que devia me proteger.
Rodrigo e os demais patriotas agachados devido à quantidade de gás jogada pelos policiais.
DENTRO DO PLANALTO
Entrei no Planalto que estava cheio de gente. Creio que como eu pensavam em esperar tudo acalmar lá fora para depois voltar ao QG. Logo que passei pela porta, eu vi um pessoal vestido de preto quebrando algumas coisas. Tinham camiseta amarrada na cabeça, como vemos na TV os black block. Só os seus olhos apareciam. Os patriotas, por sua vez, tentavam impedir a ação deles.
Eu conversei com alguns militares e disse que o nosso povo era da paz, que ninguém estava ali para quebrar e que poderíamos ajudar a colocar em ordem a situação, separando os manifestantes dos vândalos.
Lembro que a tropa de choque entrou no segundo andar do Planalto para expulsar o pessoal que estava lá em cima quebrando tudo. Foi quando me dispus a ficar na rampa para impedir que os patriotas subissem. Se as imagens das câmeras estivessem disponíveis, poderia comprovar isso que estou falando. Mas eu tenho fotos daquele momento, quando impedia o povo de subir a rampa interna para o segundo piso. Eu estava junto com o Pastor Oziel, ajudando a polícia.
Lá fora continuava o cenário de guerra, com bombas, cavalaria, helicópteros, caveirão e o povo apavorado nem pensava em sair. Com tudo aquilo acontecendo, começaram a orar e cantar, na frente soldados.
Conversamos com eles, pedimos para que nos protegessem contando a verdade, que não quebramos nada. Pedimos que não permitissem que a polícia que estava do lado de fora entrasse e nos matasse. A gente via no rosto dos soldados os sentimentos, porque alguns choravam na nossa frente, como se tivessem impotentes diante das ordens r
ATRITO ENTRE TROPA DE CHOQUE E EXÉRCITO
O comandante do Exército que estava conosco e o seu pessoal nos diziam que sairíamos dali, que logo poderíamos ir embora. Porém, o comando do Choque entrou aos gritos afirmando que tinha patriota que morreria ali. Patriota “meus ovos”, gritava com pouca educação. Ele determinou que todos que estavam dentro do Planalto fossem presos, sem usar de qualquer critério. E assim foi.
Por estar dentro do prédio, fiquei sete meses no Presídio Papuda, onde sofremos muito com os policiais esquerdistas. Batiam o cassetete nas grandes e falavam gargalhando que ficaríamos anos presos. Éramos pais de famílias, na maioria, e trabalhadores. Nunca tínhamos passado por uma situação como aquela, sem papel higiênico para nos limpar, sem toalha para nos enxugar depois do banho gelado, com apenas a roupa do corpo.
Os maus tratos começaram a diminuir conforme iam aparecendo os políticos, porque foram trocados os policiais por outros de direita, que tinham empatia por nós. Quando era esquerdista, nem banho de sol tinha, porque dizia que não tinha policial para nos acompanhar. A comida vinha com vidro, anzol, gilete, caracol, fezes de rato, além de ser azeda. É uma longa história de sofrimento que eu não quero repetir”, conclui.
Rodrigo com filhos e a esposa (Foto: arquivo pessoal)
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