A Justiça Estadual condenou a Faip (Faculdade do Interior Paulista), a pagar R$ 40 mil em indenização por danos morais, após publicar artigo de uma ex-professora e de uma ex-aluna da instituição (baseado em TCC - Trabalho de Conclusão de Curso) em uma revista da Faculdade sem autorização e menção de autoria das reclamantes.
A ex-professora, Daniela Ramos Rodrigues e a ex-aluna, Jhoyce de Oliveira Mathias, que ajuizaram a Ação de Indenização por Danos Morais em Decorrência de Apropriação e Reprodução de Propriedade Intelectual Sem Autorização (Plágio), deverão receber R$ 20 mil cada uma. A decisão é do juiz Luis César Bertoncini, da 3ª Vara Cível do Fórum de Marília e cabe recurso.
Consta nos autos que Daniela foi professora e coordenadora do curso de Biomedicina da referida Faculdade de março de 2022 a março de 2023, enquanto a Jhoyce foi aluna do mesmo curso, tendo se graduado no ano de 2022.
Relataram que, para a conclusão do curso de graduação, a aluna desenvolveu um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) em conjunto com a professora, sua orientadora, intitulado "TOXOPLASMOSE CONGÊNITA: diagnóstico, controle da infecção e prevenção".
Alegaram que, após o desligamento da professora da Instituição e após a formatura da aluna, foram surpreendidas com a publicação de seu trabalho na Revista Científica da Instituição, com o título e a autoria completamente adulterados, sob o título "VARIAÇÃO DA TOXOPLASMOSE CONGÊNITA NO PERÍODO DE GESTAÇÃO", atribuído a autores diversos, sem qualquer autorização.
Afirmaram na Ação que, apesar de o título ser diverso, o conteúdo do trabalho era o mesmo que o produzido pelas autoras, tendo sido copiado na íntegra, com a supressão dos créditos das verdadeiras autoras.
Apontaram que foram encontrados ainda outros cinco trabalhos plagiados pela Faculdade, demonstrando tratar-se de conduta reiterada da instituição. Além da indenização por danos morais no valor de R$ 20.000,00 para cada uma das autoras, pediram à realização das retratações, com a republicação do trabalho com os devidos créditos e autoria, e à exclusão definitiva do trabalho plagiado de sua Revista Científica e de suas redes sociais.
DEFESA
Devidamente citada, a requerida apresentou contestação, na qual, preliminarmente, impugnou o valor atribuído à causa, pleiteando sua redução para R$ 40.000,00. No mérito, negou a ocorrência de plágio, alegando que, no início de 2023, a aluna K.L.S, juntamente com duas discentes submeteram à IES um artigo científico para possível publicação, intitulado "VARIAÇÃO DA TOXOPLASMOSE CONGÊNITANO PERÍODO DE GESTAÇÃO", o qual fazia apenas menção bibliográfica ao TCC realizado pela ex-aluna autora da Ação.
Sustentou que o artigo foi submetido à análise quanto às exigências do edital, normas oficiais e sistema antiplágio, sendo posteriormente publicado na revista científica da IES. Informou que, "passado algum tempo", a IES percebeu que o artigo publicado na Revista não era o arquivo submetido pela aluna, razão pela qual o acesso à Revista Científica foi temporariamente indisponibilizado. Argumentou que a publicação do trabalho acadêmico em sua revista científica, sem os devidos créditos, não decorreu de um ato deliberado, tampouco de negligência dolosa ou culposa, mas de um "equívoco técnico isolado, oriundo de circunstâncias fortuitas da plataforma e importação de dados da revista". Afirmou, ainda, que inexiste ato ilícito indenizável, dada a ausência de dolo ou culpa grave, bem como a inexistência de dano moral efetivo. Alegou que já excluiu definitivamente o trabalho da revista científica, demonstrando seu comprometimento com a resolução do caso.
CONTESTAÇÃO
Em réplica, as autoras da Ação refutaram os argumentos da defesa, destacando a contradição nos argumentos da Instituição, que ora afirma ter sido submetido um trabalho que mencionava o TCC das autoras como referência bibliográfica, ora alega tratar-se de mero "equívoco técnico". Ressaltaram que o documento anexado nos autos foi alterado e não condiz com o artigo plagiado publicado pela requerida em sua revista virtual, o qual foi praticamente copiado na íntegra e jamais mencionou o nome das autoras.
Apontaram que não se trata de caso isolado, uma vez que a mesma conduta foi praticada em relação a diversos outros trabalhos de alunos da instituição, conforme documentos. Sustentaram que o dano moral é evidente, pois as autoras foram privadas da possibilidade de utilizar e publicar seu trabalho acadêmico em outras revistas científicas.
O JUIZ DECIDIU
"Inicialmente, acolho a impugnação ao valor da causa apresentada pela requerida. De acordo com o artigo 292, inciso V, do Código de Processo Civil, o valor da causa será "na ação indenizatória, inclusive a fundada em dano moral, o valor pretendido". No caso dos autos, as autoras pleiteiam indenização por danos morais no importe de R$ 20.000,00 para cada uma, conforme expressamente consignado na petição inicial, o que totaliza R$ 40.000,00. Não obstante, atribuíram à causa o valor de R$ 76.000,00, valor este que não encontra correspondência com o pedido formulado na inicial, tampouco com os demais pedidos de natureza declaratória ou obrigação de fazer. Assim, determino a retificação do valor da causa para R$ 40.000,00, que corresponde à soma das indenizações pleiteadas a título de danos morais.
Passo à análise de mérito. O cerne da questão reside em aferir se a requerida incorreu em ato ilícito ao publicar, em sua revista científica, conteúdo produzido pelas autoras, sem a devida autorização e atribuição de autoria.
Inicialmente, cumpre destacar que a Lei nº 9.610/98, que regula os direitos autorais, dispõe em seu artigo 7º, inciso I, que são obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como os textos de obras literárias, artísticas ou científicas.
O artigo 22 da mesma lei estabelece que "pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou". Já o artigo 24 dispõe que são direitos morais do autor, dentre outros, o de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra e o de ter seu nome indicado ou anunciado como sendo o do autor, na utilização de sua obra.
No caso em análise, a comparação entre o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) produzido pelas autoras, intitulado "TOXOPLASMOSE CONGÊNITA: diagnóstico, controle da infecção e prevenção", e o artigo publicado pela requerida em sua Revista Científica, sob o título "VARIAÇÃO DA TOXOPLASMOSE CONGÊNITA NO PERÍODO DE GESTAÇÃO", evidencia que se trata de plágio flagrante.
A análise detalhada dos documentos revela:
1 - Estrutura idêntica: O artigo publicado pela requerida segue exatamente a mesma estrutura do trabalho original, incluindo a mesma sequência de tópicos e subtópicos.
2 - Texto copiado integralmente: A maior parte do texto foi copiada palavra por palavra do trabalho original. As seções de introdução, metodologia, desenvolvimento e conclusão são praticamente idênticas, com pouquíssimas modificações.
3 - Mesmas citações e referências: Ambos os documentos citam as mesmas fontes, na mesma ordem e usando as mesmas palavras para introduzir as citações.
4 - Mesmo resumo: O resumo do artigo publicado pela requerida é uma cópia quase exata do resumo da monografia original.
5 - Mesmas frases específicas: Frases muito específicas como "maquinaria de invasão" e descrições técnicas idênticas aparecem em ambos os documentos.
6 - A título exemplificativo, observa-se a seguinte correspondência: · Na Introdução: o Original: "A toxoplasmose é uma zoonose com distribuição global. Caracterizada por uma doença que pode se espalhar entre animais e homens, de forma que represente uma ameaça à saúde (CARVALHO, et al., 2014)." o Artigo Publicado: "A toxoplasmose é uma zoonose com distribuição global. Caracterizada por uma doença que pode se espalhar entre animais e homens, de forma que represente uma ameaça à saúde (CARVALHO, et al., 2014)." · Na Descrição do parasita: o Original: "Ocasionada pelo Toxoplasma gondii, um parasito intracelular obrigatório que adentra e se prolifera em qualquer célula nucleada." o Artigo Publicado: "Ocasionada pelo Toxoplasma gondii, um parasito intracelular obrigatório que adentra e se prolifera emqualquer célula nucleada."
Na Conclusão: o Original: "A Toxoplasmose é um problema de saúde pública no Brasil e possui elevada taxa de prevalência em diferentes Estados. Sua forma mais grave, a Toxoplasmose Congênita, pode acometer gestantes em diferentes períodos gestacionais e ocasionar consequências de variados graus ao feto, suas sequelas vão depender da virulência da cepa do parasita e do período gestacional em que a mãe se encontrava quando infectada." o Artigo Publicado: "A Toxoplasmose é um problema de saúde pública no Brasil e possui elevada taxa de prevalência em diferentes Estados. Sua forma mais grave, a Toxoplasmose Congênita, pode acometer gestantes em diferentes períodos gestacionais e ocasionar consequências de variados graus ao feto, suas sequelas vão depender da virulência da cepa do parasita e do período gestacional em que a mãe se encontrava quando infectada." Diante de tal identidade, resta inequívoco que o artigo publicado pela requerida em sua Revista Científica consiste em plágio do trabalho acadêmico produzido pelas autoras, configurando violação aos direitos autorais prevista nos artigos 7º, 22 e 24 da Lei nº 9.610/98.
A requerida, em sua defesa, sustenta que a publicação do trabalho sem os devidos créditos decorreu de um "equívoco técnico isolado, oriundo de circunstâncias fortuitas da plataforma e importação de dados da revista". Alega, ainda, que, no início de 2023, a aluna K.L.S e as discentes (ao que parece, docentes), M.C.PS e J.M.S submeteram um artigo científico que apenas fazia menção bibliográfica ao TCC das autoras.
Entretanto, tal alegação não se sustenta diante das evidências constantes dos autos. Inicialmente, a própria requerida se contradiz ao afirmar que o artigo publicado não era o arquivo submetido pelas alunas.
Além disso, o documento apresentado, que supostamente seria o artigo originalmente submetido, não corresponde ao conteúdo efetivamente publicado na revista científica.
Ademais, o argumento de "equívoco técnico" também não se sustenta diante da constatação de que diversos outros trabalhos acadêmicos produzidos por alunos da instituição foram igualmente plagiados e publicados na mesma revista, conforme documentação, o que evidencia uma prática reiterada e não um caso isolado.
Cumpre ressaltar que, ainda que se admitisse, por hipótese, que a publicação do trabalho sem a devida atribuição de autoria tenha decorrido de falha técnica no sistema da requerida, tal circunstância não afastaria sua responsabilidade pelo ilícito praticado.
Isto porque, nos termos do artigo 186 do Código Civil, "aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito".
A responsabilidade civil, no caso, configura-se pela conduta negligente da requerida, que não adotou as cautelas necessárias para garantir a correta atribuição de autoria dos trabalhos publicados em sua revista científica. A instituição de ensino tem o dever de zelar pela integridade do conhecimento produzido por seus alunos e docentes, respeitando os direitos autorais e a propriedade intelectual.
Quanto ao dano moral, sua ocorrência é evidente no caso em análise. As autoras dedicaram tempo e esforço significativos na produção do trabalho acadêmico, sendo a primeira autora uma profissional com carreira acadêmica consolidada, que atua como revisora em revistas científicas renomadas, enquanto a segunda autora é uma profissional em início de carreira.
A apropriação de seu trabalho intelectual, com a supressão de seus nomes e a atribuição da autoria a terceiros, viola diretamente seus direitos morais de autor, constituindo ofensa à sua honra e dignidade profissionais. Ademais, a publicação não autorizada do trabalho impede que as autoras possam utilizá-lo para publicações futuras emoutras revistas científicas, causando-lhes prejuízo à sua produção acadêmica.
O artigo 108 da Lei nº 9.610/98 estabelece que "quem, na utilização, por qualquer modalidade, de obra intelectual, deixar de indicar ou de anunciar, como tal, o nome, pseudônimo ou sinal convencional do autor e do intérprete, além de responder por danos morais, está obrigado a divulgar-lhes a identidade".
No tocante ao quantum indenizatório, considerando a gravidade da conduta, o potencial lesivo à reputação profissional e acadêmica das autoras, bem como o caráter pedagógico e dissuasório da indenização, entendo adequado o valor de R$ 20.000,00 para cada uma das autoras, totalizando R$ 40.000,00.
Além da indenização por danos morais, impõe-se também a obrigação de fazer consistente na retratação pública, com a divulgação da identidade das verdadeiras autoras do trabalho, nos termos do artigo 108, inciso II, da Lei nº 9.610/98, bem como a exclusão definitiva do trabalho plagiado da Revista Científica da requerida e de suas redes sociais.
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados por DANIELA RAMOS RODRIGUES e JHOYCE DE OLIVEIRA MATHIAS em face de SOCIEDADE CULTURAL E EDUCACIONAL DO INTERIOR PAULISTA S/S LTDA, para:
1) CONDENAR a requerida ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 20.000,00 para cada uma das autoras, totalizando R$ 40.000,00, com correção monetária a partir da data desta sentença (Súmula 362 do STJ) e juros de mora de 1% ao mês a partir da data da publicação do trabalho plagiado (Súmula 54 do STJ) até 31/07/2024 e a partir de 01/08/2024 os juros moratórios devem ser aplicados de acordo com a taxa legal divulgada pelo Banco Central do Brasil, nos termos do artigo 406, § 1º, do Código Civil (sem prejuízo da correção monetária).
2) DETERMINAR que a requerida promova a retratação pública, nos termos do artigo 108, inciso II, da Lei nº 9.610/98, mediante a inclusão de errata nos exemplares ainda não distribuídos de sua Revista Científica, bem como por meio de comunicação, com destaque, por três vezes consecutivas em jornal de grande circulação dos domicílios das autoras e da requerida, reconhecendo a autoria do trabalho "TOXOPLASMOSE CONGÊNITA: diagnóstico, controle da infecção e prevenção" a DANIELA RAMOS RODRIGUES e JHOYCE DE OLIVEIRA MATHIAS;
3) DETERMINAR que a requerida proceda à exclusão definitiva do trabalho plagiado de sua Revista Científica, bem como de suas redes sociais e de qualquer outro meio em que tenha sido publicado, no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais), limitada a R$ 50.000,00.
Em razão da sucumbência, condeno a requerida ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios, que fixo em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil".
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